30.11.12

Wisława Szymborska: "As três palavras mais estranhas": trad. Refina Przybycien






As três palavras mais estranhas


Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.

Quando pronuncio a  palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser.




SZYMBORSKA, Wisława. "Instante". In:_____. Poemas. Trad. Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

28.11.12

Gastão Cruz: Ofício






No dia 24 do corrente, participei, no Fórum das Letras de Ouro Preto, de uma discussão com Eduardo Jardim intitulada "A poesia nasce da filosofia?", sob a mediação de Fabrício Marques. No início de sua interessante preleção, Eduardo Jardim citou o seguinte belo poema de Gastão Cruz: 



Ofício

Os poemas que não fiz não os fiz porque estava
dando ao meu corpo aquela espécie de alma
que não pôde a poesia nunca dar-lhe

Os poemas que fiz só os fiz porque estava
pedindo ao corpo aquela espécie de alma
que somente a poesia pode dar-lhe

Assim devolve o corpo a poesia
que se confunde com o duro sopro
de quem está vivo e às vezes não respira.

          CRUZ, Gastão. "As palavras e as coisas". In:_____. Escarpas. Lisboa: Assírio e Alvim, 2010.

25.11.12

W.H. Auden: sobre o poeta e as palavras







Um poeta é, antes de qualquer outra coisa, uma pessoa que ama apaixonadamente a linguagem. Se tal amor é sinal de seu dom poético ou é o próprio dom -- pois a paixão é algo dado, e não escolhido -- não sei, mas é certamente o sinal pelo qual se reconhece se um jovem é potencialmente poeta ou não.

"Por que você quer escrever poesia?" Se o jovem responde: "Tenho coisas importantes a dizer", então não é um poeta. Se responde: "Gosto de curtir as palavras, ouvindo o que elas têm a dizer", então talvez se torne um poeta.





AUDEN, W.H. “Squares and oblongs”. In: ARNHEIM, Rudolf; AUDEN, W.H.; SHAPIRO, Karl; STAUFFER, Donald A. Poets at work. Introdução de Charles A. Abbott. New York: Hartcourt, Brace and Company, 1948, p.170.

19.11.12

Entrevista de Antonio Cicero ao jornalista Carlos de Souza




A seguinte entrevista, que concedi ao jornalista Carlos de Souza, foi publicada no jornal Tribuna do Norte, de Natal, no dia 15 do corrente:

1. Você é filósofo e poeta. Como você define as duas atividades?

O filósofo representa a razão radicalmente ambiciosa, a razão que pretende alcançar a verdade universal, necessária e absoluta no que diz respeito ao ente enquanto ente, no que diz respeito ao conhecimento e no que diz respeito aos valores éticos e estéticos.

O poeta é um artista que produz obras literárias em que não é possível separar forma de conteúdo, significante de significado, intelecto de imaginação, razão de emoção, conceito de sensação etc.

2. Você acha que a poesia perdeu sua capacidade de influir no mundo contemporâneo?

Acho que a poesia – principalmente a poesia escrita – jamais teve grande capacidade de influir no mundo contemporâneo a ela. A meu ver, seu sentido não é intervir no mundo, mas facultar àquele que a frui o acesso outras dimensões do ser, que não a dimensão pragmática, utilitária, instrumental, em que necessariamente passamos a maior parte das nossas vidas.

3. Como você faz diferença entre um poema bom e um ruim?

Um poema bom é um poema que, ao provocar um intenso jogo das nossas faculdades – razão, intelecto, imaginação, sensibilidade, emoção, sensualidade – entre si, dá ao leitor acesso a outras dimensões dos ser.

4. João Cabral de Melo Neto dizia que escrever poesia é transpiração. Você acredita em inspiração?

Sim, mas a inspiração não se separa da transpiração. É principalmente durante o trabalho, durante a luta com as palavras, que o poeta colhe as mais felizes intervenções do acaso e do inconsciente chamadas “inspirações”.

5. Você passou a ser conhecido do grande público através das letras de músicas escritas para sua irmã Marina Lima. Como você diferencia letra de música e poema?

A obra de arte em que a letra é normalmente apreciada é a canção, composta de letra e música. A letra é boa se contribuir para a composição de uma bela canção.

No que me diz respeito, como não componho música, faço letras para composições musicais que me são enviadas pelos meus parceiros. Por isso, ao fazer uma letra, levo em conta a música à qual ela se associará, o parceiro que a enviou e o cantor ou a cantora a que se destina.

Já quando faço um poema, não penso senão nas exigências dele mesmo.

Contudo, é possível que uma letra seja um excelente poema, e é possível que um poema se converta numa excelente letra, quando algum compositor faz uma música para acompanhá-la.

Nem o poema é automaticamente melhor do que a canção, nem vice-versa. Toda obra de arte deve ser julgada enquanto indivíduo, e não enquanto membro de uma espécie.

6. Você participou de alguns filmes, um de Bressane e outro de Caetano, se não me engano. Como foi essa experiência?

Caetano Veloso e Julinho Bressane são velhos amigos. Assim, foi um prazer trabalhar para eles. Por outro lado, como não sou ator, não gosto de me ver na tela, pois sempre fico muito crítico em relação ao meu desempenho.

7. Você também lançou um CD lendo seus próprios poemas e participou de outro, na companhia de outros artistas, lendo Drummond. Como é sua relação com as novas mídias?

Embora ache que os poemas, inclusive os meus, devem ser lidos, em primeiro lugar, por cada leitor individualmente, gosto de ler poemas – meus e de outros poetas – em voz alta.

Quanto à Internet, uso-a, em primeiro lugar, para me comunicar com outros, através de e-mails. Em segundo lugar, uso-a como uma grande enciclopédia ou biblioteca. Em terceiro lugar, mantenho um blog, onde posto pequenos textos que admiro, meus ou de outros.

8. Qual a afinidade entre você e a poesia de Carlos Drummond de Andrade?

Gosto muito, desde adolescente, da poesia de Drummond. Quando amo um poema, ele faz parte de minha vida, e eu o sinto como se ele fosse meu, como se eu o tivesse escrito. Ora, amo vários poemas de Drummond.

9. Sua obra ensaística toca sempre no assunto vanguardas. O poeta Ferreira Gullar diz que as vanguardas já nascem velhas. Isso procede?

Não conhecendo o contexto em que Gullar disse isso, não sei exatamente o que ele estava dizendo, de modo que prefiro não comentar.

Minha posição em relação às vanguardas é a seguinte. “Vanguarda” vem de “avant-garde”. “Avant-garde” é o destacamento que vai à frente do grosso das tropas, apontando o caminho que elas devem seguir. Historicamente, cada vanguarda artística apontou um caminho diferente para a arte. Nenhum desses caminhos foi seguido por todo o exército, mas, no total, as vanguardas abriram uma infinidade de caminhos. Graças a elas, hoje sabemos que nenhum caminho está a priori vedado à poesia. Sabemos que é sempre preciso considerar cada caso individualmente. Isso não é pouco. Entretanto, uma vez que isso já é algo conhecido, não precisa ser repetido. Assim, não há mais sentido nenhum em falar de “vanguarda”, pois não resta nenhum caminho a abrir. Continua a haver arte experimental, é claro. De certo modo, toda arte é experimental, mas a arte experimental não pretende mais estar à frente de todos os demais artistas, experimentais ou não, de modo que não pretende ser vanguarda. Além disso, historicamente, cada vanguarda, em sua luta por afirmar determinado caminho, acabava por desprezar os caminhos já abertos. Hoje estão abertos não só os caminhos apontados pela vanguarda e os que a arte experimental contemporânea está a trilhar, mas também os que a tradição havia antes aberto.

10. Seus livros O Mundo Desde o Fim e Finalidades Sem Fim, tem um espaçamento de dez anos entre a publicação de um e outro? Dá trabalho escrever filosofia?

Não só dá trabalho, como sou muito lento. E gosto mais de ler do que de escrever.

11. Os livros de poemas Guardar, A Cidade e os Livros e Livro de Sombras também guardam uma distância de épocas. É difícil escrever poesia?

Normalmente, demoro mais ainda para escrever um poema do que um ensaio ou um artigo. E um ensaio ou artigo eu escrevo num prazo relativamente determinado, ainda que longo. Já a um poema não se pode determinar um prazo. Ele tem seu tempo próprio. E nunca se sabe se um poema que se começa a escrever vai, afinal, ficar pronto. Pode não dar em nada.

12. Você também organizou algumas coletâneas, uma com o poeta Eucanaã Ferraz e outra com Waly Salomão. Como foi essa experiência?

A que fiz com Waly, chamada “O relativismo enquanto visão do mundo” foi a reunião de uma série de palestras organizadas por nós dois em São Paulo, em 1994, com filósofos de primeira linha, como, entre outros, Richard Rorty, Ernest Gellner, Peter Sloterdijk e Bento Prado Júnior.

A que fiz com Eucanaã foi uma nova antologia da obra de Vinícius de Moraes, poeta que ambos amamos. Escolhemos os poemas que tanto eu quanto ele considera os melhores do Vinícius.

13. Você está na coletânea Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século XX. Você se considera um poeta canônico?

Não.

14. Seus poemas lembram a poesia clássica. Quais são suas influências?

Muitas. Para mim, de fato, o poeta mais impressionante é o romano Horácio. Mas gosto de tantos poetas, desde os gregos e romanos... Não sei.

15. Quem está escrevendo poesia de qualidade hoje no Brasil?

Prefiro não responder, porque, sempre que respondo em alguma entrevista a essa pergunta, tenho problemas com os poetas que não me lembrei de citar.

16. Você tem um blog, homepage, na internet... Como é seu relacionamento com o público pela web?

Em geral, muito bom. Havia mais discussão – às vezes de alto nível, às vezes nem tanto – quando eu publicava no blog os artigos, frequentemente polêmicos, que escrevia para a Folha de São Paulo. Em geral eram os fanáticos – religiosos ou políticos (de direita e de esquerda) – que baixavam o nível. Hoje não escrevo mais para jornal nenhum, de modo que os textos que publicam são, em geral, poemas e, em geral, esses poemas são menos polêmicos do que os artigos que eu escrevia para a Folha.

17. Você se interessa por política? Se sim, como você vê o Brasil de hoje?

Penso que o Brasil melhorou muito, a partir da administração de Fernando Henrique. E gosto de Dilma.

18. Que conselhos você daria a um jovem poeta?

Que leia muita poesia; que conheça o máximo que consiga da poesia canônica.



14.11.12

Jorge Luis Borges: "Nubes II" / "Nuvens II": trad. Antonio Cicero





Nubes II


Por el aire andan plácidas montañas

o cordilleras trágicas de sombra

que oscurecen el día. Se las nombra

nubes. Las formas suelen ser extrañas.

Shakespeare observó una. Parecía

un dragón. Esa nube de una tarde

en su palabra resplandece y arde

y la seguimos viendo todavía.

¿Qué son las nubes? ¿Una arquitetura

del azar? Quizá Dios las necesita

para la ejecución de Su infinita

obra y son hilos de la trama oscura.

Quizá la nube sea no menos vana

que el hombre que la mira en mañana.





Nuvens II



Pelo ar andam plácidas montanhas

ou cordilheiras trágicas de sombra

que obscurecem o dia. Chamam-nas

nuvens. As formas podem ser estranhas.

Shakespeare observou uma. Parecia

um dragão. Essa nuvem de uma tarde

em sua palavra resplandece e arde

e continuamos a vê-la ainda.

Que são as nuvens? Uma arquitetura

do azar? Talvez Deus as necessite

para a execução de Sua infinita

obra e sejam fios da trama obscura.

Talvez a nuvem seja não menos vã

que o homem que a contempla na manhã.





BORGES, Jorge Luis. "Los conjurados". In:_____. Obras completas II. 1975-1985. Buenos Aires: Emecé, 1989.







11.11.12

Arnaldo Antunes: de "Psia"





Porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlet O' Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia Filípovna, a minha Brigitte Bardot, o meu Tadzio, a minha Anne, a minha Lorraine, a minha Ceci, a minha Odete Grecy, a minha Capitu, a minha Cabocla, a minha Pagu, a minha Barbarella, a minha Honey Moon, o meu amuleto de Ogum, a minha Honey Baby, a minha Rosemary, a minha Merlin Monroe, o meu Rodolfo Valentino, a minha Emanuelle, o meu Bambi, a minha Lília Brick, a minha Poliana, a minha Gilda, a minha Julieta, e eu dizia a você do meu amor e você ria, suspirava e ria.




ANTUNES, Arnaldo. "Psia". In:_____. Como é que chama o nome disso. São Paulo: Publifolha, 2006.

9.11.12

Paul Valéry: de "Rhumbs"






É poeta aquele a quem a dificuldade inerente à sua arte dá ideias, -- e não o é aquele a quem ela as retira.





VALÉRY, Paul. "Rhumbs". In:_____. Tel quel II. Paris: Gallimard, 1943.

6.11.12

Nelson Ascher: "14 versos"








14 versos



Não zombes, crítico, da forma
que, além de poetas como Dante,
Quevedo ou Mallarmé durante
os séculos quando era a norma,

Púchkin, narrando com mestria
um duelo em seu Ievguêni Oniéguin
(num duelo desses morreria),
usou como outros não conseguem.

Sem rejeitar a própria era,
Drummond e Rilke, todavia,
levaram o soneto a extremos

de perfeição e, em sua cegueira,
Borges também, conforme via
mais do que nós, que vemos, vemos.




ASCHER, Nelson. Parte Alguma. Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

5.11.12

Eugénio de Andrade: "Ao fim da tarde"





Ao fim da tarde

Ninguém esperava ver o mar naquele dia
mas era o mar
que estava ali à porta naqueles olhos.




ANDRADE, Eugénio de. Poemas de Eugénio de Andrade. Org. por Arnaldo Saraiva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

2.11.12

Luiz Roberto Nascimento Silva: "Não se deve"






Não se deve


Não se deve romper o silêncio
sem um motivo preciso.
As palavras devem ser necessárias
inadiáveis como um aviso.




NASCIMENTO SILVA, Luiz Roberto. A flauta vertebral. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.