30.8.11

Paulo Leminski: "Leite, leitura"





Leite, leitura

letras, literatura,
   tudo o que passa,
tudo o que dura
   tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
   tudo,tudo,tudo
não passa de caricatura
   de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura



LEMINSKI, Paulo. O ex-estranho. São Paulo: Iluminuras, 1996.

27.8.11

Antonio Cicero: "Esse amante"





Esse amante

Não é exatamente que esse amante
pretenda confundir-se com a amada;
o que acontece é que, no mesmo instante
em que, lúcido e lúbrico, prepara,
com circunspecto engenho e arte, a entrega
da mulher, ele saboreia o gesto,
gemido ou tremor que observa, e interpreta
cada sinal de volúpia nos termos
da sua própria carne. Discernir-se
dela, ao olhá-la, e achá-la em si são lados
reversos da mesma moeda. Ei-lo
que, com o fim de seus anseios nos seios
das suas mãos, vê-se compenetrado
e entregue a um gozo que quiçá se finge.





CICERO, Antonio. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002; Villa Nova do Famalicão: Quasi, 2006.

23.8.11

Edward Fitzgerald: XXIII do Rubayat de Omar Khayyam / trad. de Augusto de Campos




XXIII

Ah vem, vivamos mais que a Vida, vem,
Antes que em pó nos deponham também,
Pó sobre pó, e sob o pó, pousados,
Sem Cor, sem Sol, sem Som, sem Sonho – sem.


XXIII

Ah, make the most of what we yet may spend,
Before we too into the Dust descend;
Dust into Dust, and under Dust, to lie,
Sans Wine, sans Song, sans Singer, and -- sans
                                      End.



CAMPOS, Augusto. O anticrítico. São Paulo: Companhia das letras, 1986.

21.8.11

Nicolás Gómez Dávila: de "Sucesivos escolios a un texto implícito"




A ciência enriquece a inteligência; a literatura enriquece a personalidade inteira.

*

Comunicação ou expressão não são fins, mas meramente meios da obra de arte.

*

Quando apontamos alto não há público capaz de saber se acertamos.



DÁVILA, Nicolás Gómez. Sucesivos escólios a un texto implícito. Barcelona: Áltera, 2002.

19.8.11

Rubem Braga: "Homem no mar"





Agradeço a André Parente por me ter enviado a seguinte bela crônica do Rubem Braga:


Homem no Mar

De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde.

Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.

Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinqüenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a esconderá. Que ele nade bem esses cinqüenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.

É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranqüilo, pensando — "vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu".
Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.

Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Janeiro, 1953.


16.8.11

Entrevista com Darcus Howe



Agradeço a André Vallias por me ter enviado o link da seguinte, impressionante entrevista com Darcus Howe, que imigrou para Londres há cinquenta anos e lá vive até hoje.

A entrevistadora inglesa é lamentável.


14.8.11

Charles Baudelaire: "L'albatros" / O albatroz: tradução de Guilherme de Almeida




O albatroz

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.


L'albatros

Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.

A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!

Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher



BAUDELAIRE, Charles. "Les fleurs du mal". In:_____Oeuvres complètes. Paris: Robert Laffond, 1980.

BAUDELAIRE, CHARLES. "O albatroz". Tradução de Guilherme de Almeida. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses do século XV ao século XX. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.

Oficina de Poesia na UERJ


11.8.11

Luiz Olavo Fontes: "Infância do Príncipe"



Infância do Príncipe

Sonhava construir um caminho de ferro
Em território índio

E viajar de paquete
pelas Índias



FONTES, Luiz Olavo. Livro do Príncipe. Espantosos escritos de um príncipe no exílio. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.


10.8.11

Artigo de Manuel Castells sobre a presente crise internacional




Para quem está intrigado com a presente crise internacional, recomendo a leitura do lúcido artigo do sociólogo espanhol Manuel Castells, no site Outras Palavras.

8.8.11

Alain: de "Propos de littérature"




Quando um poeta lhe parecer obscuro, procure bem, e não procure longe. Não há de obscuro aqui senão o maravilhoso encontro do corpo e da ideia, que opera a ressurreição da linguagem.


ALAIN. Propos de littérature. Paris: Gonthier, 1964.

5.8.11

Mutações: Elogio à Preguiça


Visite o site do ciclo de palestras Mutações: Elogio à preguiça, em http://www.elogioapreguica.com.

4.8.11

Sophia de Mello Breyner Andresen: "O poema"




O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu não for a habitação do tempo
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo


ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. "Livro sexto". In:_____Obra poética. Alfragide: Caminho, 2011.

2.8.11

Pedro Mexia: "Vamos morrer"




Vamos morrer

Vamos morrer, mas somos sensatos,
e à noite, debaixo da cama,
deixamos, simétricos e exatos,
o medo e os sapatos.


MEXIA, Pedro. Senhor fantasma. Lisboa: Oceanos, 2007.