11.7.07

Anatole France: Le jardin d'Épicure (trecho)

Embora eu jamais jogue e não tenha a menor intenção de fazer qualquer apologia do jogo de azar, acho admirável, por razões puramente estéticas, o seguinte texto de Anatole France:



Os jogadores jogam como os amantes amam, como os ébrios bebem, necessária, cegamente, sob o império de uma força irresistível. Há seres devotados ao jogo, como há seres devotados ao amor. Quem inventou a história daqueles dois marinheiros possuídos pelo furor do jogo? Naufragaram e só escaparam à morte após terríveis aventuras, pulando para o dorso de uma baleia. Assim que lá se encontraram, tiraram dos bolsos seus dados e seus fritilos e se puseram a jogar. Eis uma história mais verdadeira que a verdade. Cada jogador é um desses marinheiros. E com certeza há no jogo algo que remexe todas as fibras dos audazes. Não é uma volúpia medíocre tentar a sorte. Não é um prazer sem embriaguez provar num segundo meses, anos, uma vida inteira de esperança. Eu não tinha nem dez anos quando o sr. Grépinet, meu professor da nona, leu-nos em sala de aula a fábula do Homem e do Gênio. No entanto, recordo-a melhor do que se a tivesse escutado ontem. Um gênio dá a um menino um novelo e lhe diz: “Este fio é o dos teus dias. Toma-o. Quando quiseres que o tempo escoe para ti, puxa o fio: teus dias passarão rápidos ou lentos segundo desenroles o novelo rápida ou morosamente. Enquanto não tocares no fio, ficarás na mesma hora da tua existência.” O menino tomou o fio; puxou-o primeiro para se tornar homem, depois para se casar com a noiva amada, depois para ver crescerem os seus filhos, depois para conseguir empregos, lucros, honrarias, para superar as preocupações, evitar as mágoas, as doenças vindas com a idade, enfim – que fazer? – para terminar uma velhice importuna. Tinha vivido quatro meses e seis dias desde a visita do gênio.

Pois bem, que é o jogo senão a arte de obter num segundo as mudanças que o destino só produz normalmente em muitas horas e mesmo em muitos anos, a arte de acumular num único instante as emoções esparsas na lenta existência dos outros homens, o segredo de viver a vida inteira em alguns minutos, enfim, o novelo do gênio? O jogo é um corpo a corpo com o destino. É o combate de Jacó com o anjo, o pacto do dr. Fausto com o diabo. Joga-se dinheiro – dinheiro, quer dizer, a possibilidade imediata, infinita. Talvez a carta que se vai virar, a bilha que está a correr dê ao jogador parques e jardins, campos e vastos bosques, e castelos a elevar no céu suas torres pontudas. Sim, essa pequena bilha que corre contém em si hectares de boa terra e tetos de ardosia cujas chaminés esculpidas se refletem no Loire; encerra tesouros de arte, maravilhas do gosto, jóias prodigiosas, os mais belos corpos do mundo, almas, mesmo, que nem se imaginavam venais, todas as condecorações, todas as honras, toda a graça e todo o poder da terra. Que digo? Encerra mais que isso: encerra o sonho. E você quer que eu não jogue? Se o jogo só fizesse mostrar esperanças infinitas, se só mostrasse o sorriso dos seus olhos verdes, seria amado com menos furor. Mas tem unhas de diamante, é terrível, dá, quando lhe compraz, a miséria e a vergonha; eis porque é adorado.

A atração do perigo está no fundo de todas as grandes paixões. Não há volúpia sem vertigem. O prazer mesclado ao medo embriaga. E que há de mais terrível que o jogo? Ele dá, ele toma; suas razões não são as nossas razões. Ele é mudo, cego e surdo. Ele pode tudo. É um deus.

É um deus. Tem seus devotos e seus santos que o amam pelo que é, não pelo que promete, e que o adoram quando os golpeia. Se os despoja cruelmente, imputam a culpa a si mesmos, não a ele.

“Joguei mal”, dizem.

Acusam-se e não blasfemam.



Em: FRANCE, Anatole. Le jardin d’Épicure. Paris: Calmann-Lévy, Éditeurs, 1923. P. 14-18.



Les joueurs jouent comme les amoureux aiment, comme les ivrognes boivent, nécessairement, aveuglément, sous l'empire d'une force irrésistible. Il est des êtres voués au jeu, comme il est des êtres voués à l'amour. Qui donc a inventé l'histoire de ces deux matelots possédés de la fureur du jeu? Ils firent naufrage et n'échappèrent à la mort, après les plus terribles aventures, qu'en sautant sur le dos d'une baleine. Aussitôt qu'ils y furent, ils tirèrent de leur poche leurs dés et leurs cornets et se mirent à jouer. Voilà une histoire plus vraie que la vérité Chaque joueur est un de ces matelots-là. Et certes, il y a dans le jeu quelque chose qui remue terriblement toutes les fibres des audacieux. Ce n'est pas une volupté médiocre que de tenter le sort. Ce n'est pas un plaisir sans ivresse que de goûter en une seconde des mois, des années, toute une vie de crainte et d'espérance. Je n'avais pas dix ans quand M. Grépinet, mon professeur de neuvième, nous lut en classe la fable de l'Homme et le Génie. Pourtant je me la rappelle mieux que si je l'avais entendue hier. Un génie donne à un enfant un peloton de fil et lui dit : « Ce fil est celui de tes jours. Prends-le. Quand tu voudras que le temps, s'écoule pour toi, tire le fil : tes jours se passeront rapides ou lents selon que tu auras dévidé le peloton vite ou longuement. Tant que tu ne toucheras pas au fil, tu resteras à la même heure de ton existence. » L'enfant prit le fil; il le tira d'abord pour devenir un homme, puis pour épouser la fiancée qu'il aimait, puis pour voir grandir ses enfants, pour atteindre les emplois, le gain, les honneurs, pour franchir les soucis, éviter les chagrins, les maladies venues avec l'âge, enfin, hélas! pour achever une vieillesse importune. II avait vécu quatre mois et six jours depuis la visite du génie.

Eh bien! le jeu, qu'est-ce donc sinon l'art d'amener en une seconde les changements que la destinée ne produit d'ordinaire qu'en beaucoup d'heures et même en beaucoup d'années, l'art de ramasser en un seul instant les émotions éparses dans la lente existence des autres hommes, le secret de vivre toute une vie en quelques minutes, enfin le peloton de fil du génie? Le jeu, c'est un corps-à-corps avec le destin. C'est le combat de Jacob avec l'ange, c'est le pacte du docteur Faust avec le diable. On joue de l'argent, - de l'argent, c'est-â-dire la possibilité immédiate, infinie. Peut-être la carte qu'on va retourner, la bille qui court donnera au joueur des parcs et des jardins, des champs et de vastes bois, des châteaux élevant dans le ciel leurs tourelles pointues. Oui, cette petite bille qui roule contient en elle des hectares de bonne terre et des toits d'ardoise dont les cheminées sculptées se reflètent dans la Loire; elle renferme les trésors de l'art, les merveilles du goût, des bijoux prodigieux, les plus beaux corps du monde, des âmes, même, qu'on ne croyait pas vénales, toutes les décorations, tous les honneurs, toute la grâce et toute la puissance de la -terre. Que dis-je? elle renferme mieux que cela; elle en renferme le rêve. Et vous voulez qu'on ne joue pas? Si encore le jeu ne faisait que donner des espérances infinies, s'il ne montrait que le sourire de ses yeux verts on l'aimerait avec moins de rage. Mais il a des ongles de diamant, il est terrible, il donne, quand il lui plait, là misère et la honte; c'est pourquoi on l'adore.

L'attrait du danger est au fond de toutes les grandes passions. Il n'y a pas de volupté pans vertige. Le plaisir mêlé de peur enivre. Et quoi de plus terrible que le jeu? Il donne, il prend; ses raisons ne sont point nos raisons. Il est muet, aveugle et sourd. Il peut tout. C'est un dieu.

C'est un dieu. Il a ses dévots et ses saints qui l'aiment pour lui-même, non pour ce qu'il promet, et qui l'adorent quand il les frappe. S'il les dépouille cruellement, ils en imputent la faute à eux-mômes, non à lui.

« J'ai mal joué », disent-ils.

Ils s'accusent et ne blasphèment pas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Texto lindo, no original e na tradução. Anatole France é um nome que porta uma linda sonoridade.

DBI disse...

Lê-se esse texto ou com senso estético ou de fé. No primeiro, vê-se a arte, no segundo a retórica. Ambas as leituras sao, digamos, sublimes. Sartre se perguntara: "até onde a literatura é inofensiva?".

Gostaria de deixar uma sugestão de texto: sobre os limites da arte e da verdade. É um pouco uma continuidade daquele sobre poesia e filosofia. Será que a literatura realmente é vida? Ou é a idéia, a intuição? E a moral? Quais os limites da moral em uma obra de arte?

Gostaria, enfim, de lhe recomendar um artigo relacionado: http://breviario.org/calculorenal/2007/07/15/de-como-a-estetica-explica-o-mundo-parte-i-teologia/

Abs e boa semana,
Diego